6 de abr. de 2010

O exemplo do Saúde da Família

Raphael Victorino

A cobertura oferecida pelo Programa Saúde da Família (PSF), que já atende mais da metade da população brasileira, mostra o êxito dessa modalidade de atendimento público na área de saúde. Nos 27,4 milhões de domicílios cadastrados pelo programa, e que por isso recebem visitas regulares das equipes do PSF, vivem 96,5 milhões de brasileiros. É um número próximo da meta proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de atendimento de 100 milhões de pessoas.

Instituído em 1994, o PSF é um exemplo de continuidade de uma proposta inovadora em matéria de política pública em área essencial para o bem-estar da sociedade. Trata-se, infelizmente, de um caso ainda pouco frequente na história administrativa do País.

A criação desse programa representou uma mudança profunda na definição das políticas de saúde pública ? até então mais voltadas para ampliar a oferta de recursos tecnológicos ? e baseou-se em dados conhecidos há muito tempo por profissionais da área, mas que não eram levados na devida conta pelos governantes.

Em estudo sobre o PSF, a Faculdade de Saúde Pública da USP observa que diversas pesquisas mostraram que as unidades básicas de saúde, quando operadas de maneira adequada, são capazes de resolver, com qualidade, cerca de 85% dos problemas de saúde da população. O restante precisará de atendimento ambulatorial ou especializado e apenas um pequeno número necessitará de atendimento hospitalar.

Por isso, o PSF dá prioridade ao atendimento básico. São procedimentos de baixo custo quanto ao uso de equipamentos para diagnóstico e tratamento, mas complexos, pois exigem conhecimentos variados. Por meio desse atendimento, as equipes do programa ? formadas por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde ? conhecem melhor a clientela e podem dar o encaminhamento adequado a cada caso. O PSF não prescinde dos equipamentos de alta tecnologia e dos procedimentos de grande complexidade, mas, ao permitir uma utilização mais racional desses recursos, abre espaço para que mais pessoas necessitadas possam utilizá-los.

Há três anos, 26,3 mil equipes do PSF cuidavam de 84,2 milhões de pessoas em 5.100 municípios. Os dados recém-divulgados mostram um avanço expressivo no número de pessoas atendidas, o que deve ter sido acompanhado pelo aumento do número de equipes de atendimento. Em entrevista ao Estado, o ministro José Gomes Temporão disse que "o ideal é que toda a população do SUS ? pelo menos 75% dos brasileiros ? esteja coberta". Apesar do êxito do programa até agora, porém, há desafios que precisam ser superados.

Um deles é a disseminação do atendimento. Na Região Sudeste a cobertura é precária ? apenas 35,9% da população é atendida. A situação é pior nas regiões metropolitanas. A doutora Maria Fátima de Souza atribui o baixo atendimento do PSF nessas regiões ao fato de que, nelas, os investimentos em saúde se concentram em áreas de maior complexidade. É preciso ressalvar, no entanto, que nessas regiões a demanda por hospitais é muito maior do que em outras, até porque é para elas que migram pacientes de municípios onde só há atendimento básico, mas necessitam de atendimento especializado.

Outro desafio é a preparação de profissionais na quantidade e na qualidade exigidas para a expansão do programa. Há falta de médicos com a formação necessária para o atendimento do PSF e, quando há profissionais, alguns resistem à fixação em regiões de risco nas metrópoles ou em municípios mais distantes dos grandes centros.

Em um de seus estudos, Maria Fátima de Souza afirma que a responsabilidade pela formação e orientação adequada desses profissionais é, em primeiro lugar, do Ministério da Saúde, ao qual compete a tarefa de formação de recursos humanos na área de saúde e de desempenhar o papel de indutor de outras instituições públicas, inclusive universidades, nessa direção. É, assim, uma responsabilidade de todo o setor público.


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